sábado, 17 de janeiro de 2009

•.¸¸.ஐO mundo de Sofia


Sofia trilhava os primeiros passos na descoberta do mundo por si mesma. Estava cansada de receber as coisas prontas, de não poder discordar de nada, de não poder contestar. Rompeu com as crenças religiosas em que fora criada. Os pais não aceitavam, cobravam-na por isso. Mas Sofia estava decidida a não voltar atrás. Ela decidiria suas escolhas e viveria de acordo consigo mesma, não de acordo com o que queriam que ela fosse.

Depois de ler e estudar friamente, descobriu um traço comum em todas as crenças religiosas de que tinha notícia. “Em todas elas, há uma verdade universal: o amor”. Sendo assim, Sofia decidiu que essa era a fé que seu coração professaria. Mas ela não entendia o amor como um sentimento nutrido por outra pessoa. “Isso não é tudo. O amor é, na verdade, a força que move e rege o Universo”.

Os pensamentos fervilhavam em sua mente. Sofia sentia como se tivesse acabado de nascer. De algum modo, tinha mesmo. E ela ainda estava construindo o seu mundo a sua maneira. Sofia precisava organizar suas idéias. Por isso, ela mantinha um caderno de capa azul sempre por perto. Nele anotava seus pensamentos, dúvidas, inquietações, angústias e o que mais achava interessante deixar por escrito para que mais alguém lesse. Nem que isso só fosse acontecer num futuro quando ela não estaria mais por perto para poder conversar sobre seus escritos.

Na clarividência de noites não dormidas, Sofia percebeu que carregava dentro de si a consciência que este Universo tem de si mesmo. Mais, ela havia recebido o Big Bang como presente de batismo, assim como toda a humanidade e todos os outros seres vivos. A diferença é que Soh, apelido de infância, tinha consciência disso. “O Universo tem consciência de si mesmo pela minha consciência. E isso é o máximo!”

Mas não era tudo. Sofia tinha certeza de que tinha vindo à vida muito mais de uma vez. Ou que explicação haveria para recordações de lugares, pessoas, épocas que ela vivenciara e já tinham acontecido há tempo? Sabia-se grega em essência. E também oriental. 

“Quanta sabedoria posso encontrar nessa alma que habita o meu corpo? Quantas vezes ela voltou e voltará para aprender e evoluir?” Sofia não sabia responder. Estava certa, porém, de que levava uma alma que conhecia infimamente e era levada por ela.
Deitada no jardim de sua casa, Sofia pensava em coisas sobre as quais poucas pessoas se propunham a refletir. A idéia de existir um mundo, por exemplo, era, no mínimo, fantástica para ela. Sua mente estava se acostumando com a vida fora da caverna de Platão.

“Existe um mundo. Em termos de probabilidade, isso esbarra em todos os limites do impossível”. Para Sofia, o mundo não se apresenta apenas como um improvável fato único, mas como uma constante carga para a razão. “Isto é, se é que existe a razão. Se é que existe uma razão neutra”.

Não teria sido, Sofia, muito mais fidedigno se, por acaso, não existisse nada? Nesse caso, ninguém teria começado a perguntar por que não havia nada, não é?
“Pode ser que sim, mas então, qual seria a razão do universo?”
Eis uma proposição interessante!

Diante da dificuldade de uma resposta, Sofia dedicava-se ainda mais a seus estudos e buscava as respostas menos óbvias que pudesse encontrar. Ela chegou a pensar que muitas vezes o significado de determinado acontecimento poderia aparecer muito tempo depois do acontecimento em si. Ou seja: a causa de algo que ocorre poderia só aparecer a posteriori. E a razão disso, acreditava, é muito simples: todos os processos têm uma coordenada temporal, não necessariamente cronológica com causa, fato e conseqüência. Então, Sofia poderia entender que o motivo da grande explosão era ela estar olhando para trás.

“Talvez estejam enganados os que sustentam que não há nenhum sentido por trás da existência do Universo. Eu sei que a grande explosão tinha uma finalidade. Ainda que a própria contemplação seja retroativa, pelo menos para mim e para quem mais se dê conta disso. Quem estabeleceu que uma causa nunca pode pertencer ao futuro? Talvez seja nesse ponto que nos enganemos!”

Sobre a sua própria pergunta, ela sabia também que o Universo não precisava de sentido. Nas palavras de Sofia, “a evolução da vida na Terra é um processo muito mais esplêndido que qualquer mito de criação, por mais grandioso que possa ser”. Em poucas palavras: a recompensa consistiu em criar o público do espetáculo. Afinal, sem a platéia, não teria sentido chamar de espetáculo o Big Bang e tudo que aconteceu e continua acontecendo. Na lógica do pensamento de uma causa poder aparecer depois do acontecimento, o aplauso à grande explosão só chegou quinze bilhões de anos depois dela acontecer.

Sofia questionava, por exemplo, quão grande era a probabilidade que algo tinha de nascer do nada? Ou, ao contrário, que probabilidade existia de que algo tenha sempre existido? Mais ainda. Poder-se-ia calcular a possibilidade de que a matéria cósmica de repente, numa bela manhã, tenha acordado consciente de si?

Respostas exatas Sofia não tinha. O espírito contestador que a habitava levava seus questionamentos mais longes do que ela poderia imaginar. “Se – e quero deixar bem clara a enormidade desse SE proposto – se existe um Deus, ele não só é um ás em deixar vestígios, mas, sobretudo, um mestre em se esconder. É difícil fazer com que as pessoas entendam que o mundo não é dos que falam além da conta. O firmamento continua calado. Não há muito mexerico entre as estrelas. Mas ninguém ainda se esqueceu da grande explosão”. Incrível, hein, mocinha?

“Sim, incrível, e mais ainda se constatamos que desde então, o silêncio reinou ininterruptamente e tudo que existe se afasta de tudo.” Ah sim! Sofia tinha a clara percepção de que o caminho misterioso trilhado pelo Universo não vai para dentro, mas para fora, não entra nos labirintos, sai deles. E foi justamente nos neurônios dos vertebrados de sangue quente onde saltaram as primeiras rolhas da champagne. Ainda que nem todos se dêem conta, o fato é que os primatas pós-modernos chegaram à grande visão do conjunto. E Sofia não se espantava ao perceber que o Universo vê a si mesmo em grande angular.

“Criar um mundo inteiro tem, necessariamente, de ser considerada uma façanha merecedora de reverência, mesmo que tivesse causado ainda mais admiração se um mundo inteiro tivesse sido capaz de criar a si mesmo”. A proposta é interessantíssima. A experiência de ter sido criado não é lá grandes coisas em comparação com a incrível sensação de quem criou a si mesmo do nada e pôde ficar de pé sem a ajuda de ninguém.
Sofia se recusava a acreditar que as coisas eram exatamente o que elas aparentam ser. “O Sol não é apenas uma estrela adulta, a Terra não é apenas um micro planeta, o ser humano não é apenas um animal, um animal não é apenas terra modelada e a terra não é apenas lava!” A intensidade com que ela discursava essas palavras deixava qualquer ouvinte admirado. Ela queria mergulhar mais fundo na questão.

Se todo material genético na Terra apresenta um parentesco indiscutível, Sofia podia pressupor que toda a vida neste planeta é descendente de uma só macromolécula. Então a Terra seria apenas um organismo vivo?

“Sim. E isso não é apenas uma metáfora.” Entendo... “É fato! Sou mais aparentada a uma rosa do que duas gotas d’água no oceano são aparentadas entre si. Basta abrir os olhos e ver! Eis todo o planeta vivo! E, pode ser que talvez haja até mesmo um ‘céu’ acima deste”. Mas não era um consolo o fato de que Sofia – uma primata monstruosamente auto-suficiente – fosse capaz de trazer em sua memória o passado deste Universo, desde a grande explosão.

“Não sei o que é este mundo. Imagino que seja fácil me deixar enganar pelos limites que o nível de realidade em que me encontro neste momento me impõe”. Ainda havia tanto por saber, tanto o que perguntar. E, talvez, todas as certezas a duvidar. Uma certeza, porém, Sofia carregava dentro de si. Olhando para todo o passado do Universo e, por conseguinte, também o seu passado, Sofia percebia que o mesmo Universo precisou de bilhões de anos para criar um ser humano. Mas esse mesmo ser humano só precisava de poucos segundos para deixar de existir. O corpo morria. A alma, acreditava, é imperecível, como o tempo. “Por isso vale a pena”.

E só então, Sofia podia sorrir e voltar a brincar em seu castelo de vidro.

•.¸¸.ஐBruneLLa Wyvern

3 comentários:

  1. Já li esse livro "O Mundo de Sofia"... ja faz bastante tempo... mas eu recomendo, muito bom mesmo!

    Beijos e bom final de semana :)
    Irei acompanhálo.

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  2. O meu comentário é duplo: Para o Mundo de Sofia que me fez compreender alguns filósofos melhor do que a professora que tive e para o post "Pai Nosso" porque me deixou emocionada com a "leitura" feita.
    Pena que não consegui comentar......
    Em relação ao blogue confesso que fiquei agradavelmente surpe«reendida.

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  3. Estou lendo O Mundo de Sofia e estou amando. Simplesmente é um livro mágico, ao lê-lo tenho a oportunidade de engatinhar no mundo dos questionamentos e reflexões de qualquer natureza.

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